Lado a lado, viviam o primo Zé mais o primo Barnabé. Cada qual tinha a sua casa de pedra escurecida, apanhada aqui e além, pelas serranias, cada qual a sua horta de pobre, com o milho a crescer junto das batatas, couves repolhudas roídas pelos caracóis, meia dúzia de galinhas a debicarem à solta. E cada qual tinha o seu sonho também.
— Ah, se eu tivesse uma vaca! — dizia o primo Zé - , não era eu que engolia este café aguado. Havia de beber uma boa caneca de leite.
— E não seria o Barnabé a roer pão seco. Não. Havia de guardar as natas para fazer manteiga, havia de buscar cardos ao monte para talhar o leite e preparar queijos de se lhe tirar o chapéu.
O primo Zé coçava a cabeça, o primo Barnabé repuxava o bigode, pois bem sabiam que era sonho alto de mais para tão pequenas economias.
No entanto, mal se encontravam, voltava a mesma conversa.
— Farta-se a gente de suar e esta terra não dá nada. O milho seca antes de criar espiga, a batata é miúda e engelhada, as couves mais duras que caniços — lamentava-se um.
— Tivéssemos nós uma vaquinha, que isto andaria que nem um brinco. Adubava-se a preceito, com bom estrume, e era ver as plantas crescerem os milhos dobrarem ao peso das maçarocas, as sacasc encherem-se de batatas, as couves tornarem-se tenras, viçosas que nem flores — exclamava o outro.
Assim passaram semanas, meses, anos. Chegado Outubro marchavam para a feira a vender o que granjeavam, com a carteira magra no bolso do casaco. Lá se ia o dinheiro em sementes, em pás e enxadas, lá se gastava num casal de coelhos, numa cabra, num porco para a engorda.
Não deixavam por isso de parar diante das vacas de trabalho, amarelas, musculosas, de grandes chifres revirados, das gordas vacas leiteiras, todas malhadas, de pequenos chifres e grandes olhos meigos, resignados.
Primo Zé apalpava a carteira, primo Barnabé apalpava a carteira:
— Ah, se eu tivesse oito notas de mil…
— Quatro contos ainda eu arranjo…
— Outros quatro eu — atalhou o primo
— E se comprássemos a meias aquela vaca?
Era uma estampa. Branca e preta, muito luzidia, de raça turina, com uma estrela preta na testa e uma estrela branca no lombo.
Resolvido o negócio, ataram-lhe uma corda ao pescoço e deitaram pernas ao caminho.
Temos uma vaca
Chamada Estrelinha,
Metade é tua,
Metade é minha.
Cantarolavam com bom humor.
Chegados ao seu destino, fizeram-lhe um curral, metade na terra de um, metade na terra de outro e aí instalaram a Estrelinha, vaidosa que nem princesa num palácio.
Então, contemplando a obra, o primo Zé exclamou:
— Comprámos a vaca a meias, mas ainda não decidimos qual metade será a minha, a da cabeça ou a do rabo.
— Mas que pergunta! Se queres que te diga, a cabeça sempre é mais airosa, mais limpa, mas a mim tanto me faz.
— Então eu fico com a parte de trás.
No dia seguinte, logo de manhã, primo Barnabé encontrou o Zé a mungir a vaca. Zumba que zumba, era apertar-lhe as tetas, que o leite jorrava num esguicho. Já enchera uma vasilha até ao gargalo. E para o carrinho de mão acarretava duas pazadas de estrume.
— O meu trabalho está pronto — disse o madrugador, esfregando as mãos de contente. — Cabe-te a ti, agora, dar a ração ao animal, visto ele comer com a boca; e essa parte não me pertence.
Ficou abismado o primo Barnabé mas lá veio com seu carrego de palha, de fava, de erva, enquanto o outro batia manteiga e fazia queijos para ir vender.
Enriquecia o segundo, empobrecia o primeiro, matutando na triste sorte que lhe coubera. A parte da frente da vaca só dava gastos, a de trás rendia um dinheirão. Até que teve uma ideia…
— Ó primo — disse ele —, fartei-me da minha meia vaca. Desde que a comprei que não passo da cepa orta, que não provo um naco de carne. Ao menos hoje vou regalar-me com bifes!
E pôs-se a afiar um facalhão para cortar a vaca ao meio. Mas esta é que não gostou da proposta. Atirou dois coices ao Barnabé, uma marrada ao Zé e fugiu pela porta escancarada.
Assim acabou a história
De uma linda vaca
Chamada Estrelinha,
Metade é tua,
Metade é minha.
Luísa Ducla Soares