Fomos encontrá-lo a fazer embrulhos e a arrumar sacos e malas no porta-bagagens do trenó. Para meter conversa, visto que o Pai Natal, sujeito muito modesto, não gosta de ser entrevistado, perguntámos-lhe:
– Então, muito trabalho, este ano?
– Nem calcula! É que as meninas e os meninos estão cada vez mais exigentes. Só querem brinquedos caros e volumosos. Ora, eu, francamente, já não tenho forças para carregar com tanta coisa! Tome o peso a esta caixa, faça favor.
Nós pegámos na caixa e concordámos que era pesada.
– É um comboio elétrico inteirinho, com os comandos, carruagens, baterias, central, estações e apeadeiros. Pois multiplique este peso por centenas e centenas. Veja o meu trabalho! E não tenho ninguém que me ajude.
Tivemos pena do Pai Natal.
– Claro que os meninos, depois, queixam-se de que eu não trouxe tudo o que eles pedem… Pois como havia de ser de outra forma? Para chegar a todos – e nem faz ideia quanto me custa nem sempre chegar a todos – tenho de reduzir a encomenda de cada um. O porta-bagagens do trenó não é de elástico e as minhas forças também têm limites.
– Só a sua paciência, Pai Natal, é infinita – dissemos-lhe nós, a ver o que ele respondia.
– Nem sempre, meu amigo, nem sempre! Quando recebo cartas como esta, perco a paciência. Ora leia.
Desdobrou uma folha de papel e deu-nos a ler. A carta era assim:
“Querido Pai Natal:
Queria pedir-lhe uma boneca daquelas grandes, que eu vi, no outro dia, numa montra, quando fui sair com a minha mãe. Queria o enxoval completo da boneca, uma banheira para lhe dar banho, um pente, uma escova e um secador para cabelos de bonecas. Queria também um serviço de chá para bonecas, um triciclo, um jogo e uma lapiseira azul.
Para a minha irmã não mande nada, porque ela só sabe estragar-me os brinquedos.
Beijinhos da sua amiga
Luísa”
– Leu tudo? Que tal aquele bocadinho em que ela diz para eu não dar nada à irmã? Veja se não é de uma pessoa perder a cabeça!
– Mas não a perca, Pai Natal – dissemos. – A sua cabeça, onde cabem milhões de nomes, moradas e pedidos, é preciosa.
– Nem me fale disso! Já não tenho memória para tanta coisa. Os pedidos são muitos, as listas aumentam de ano para ano…
– Não diga que já trocou encomendas? – perguntámos.
O Pai Natal, com a sua longa experiência, deve ter imensas histórias para contar.
– Se tenho! – e as bochechas rosadas do Pai Natal largavam-se num grande riso.
– Calcule que, uma vez, num bosque, o Lobo Feroz confundiu-me com o Capuchinho vermelho. Dei-lhe uma cacetada como prenda, mas deixei-lhe um livro com a “História do Capuchinho Vermelho”, para que ele lesse até ao fim.
– Que faz o Pai Natal quando o Natal acaba? – perguntámos.
– Descanso umas semaninhas e, depois, ponho-me a trabalhar para o Natal seguinte. Viajo muito, corro todas as exposições e fábricas de brinquedos, tiro apontamentos, faço as minhas encomendas… Quando calha, disfarço-me de velho mendigo e vou ter com os meninos, que tantos trabalhos me deram.
– E que sucede? Os meninos acarinham-no, falam consigo, dão-lhe alguma prenda? – quisemos nós saber.
– Isso sim! Sofro cada desilusão, meu amigo, que é preferível ficarmos por aqui. Talvez para o ano que vem lhe conte mais coisas.
Couberam ao Pai Natal as últimas palavras da entrevista.
Aguardemos um ano e, até lá, vejam se não desiludem o Pai Natal.
FIM
António Torrado