Guardavam certos pastores
Os seus rebanhos, ao relento,
Sobre os céus consoladores
Pondo a vista e o pensamento.
*
Quando viram que descia,
Cheio de glória fulgente,
Um anjo do céu do Oriente,
Que era mais claro que o dia.
Jamais os cegara assim
Luz do meio-dia ou manhã.
*
Dir-se-ia o audaz Serafim,
Que um dia venceu Satã.
Cheios de assombro e terror,
Rolaram na erva rasteira.
*
– Mas ele, com voz fagueira,
Lhes diz, com suave amor:
«Erguei-vos, simples, daí,
Humildes peitos da aldeia!
*
Nasceu o vosso Rabi,
Que é Cristo – na Galileia!
Num berço, o filho real,
Não o vereis reclinado.
*
Vê-lo-eis pobre e enfaixado,
Sobre as palhas de um curral!
Segui dos astros a esteira.
Levai pombas, ramos, palmas,
Ao que traz uma joeira
Das estrelas e das almas!»
*
Foi-se o anjo: e nas neblinas,
Então celestes legiões
Soltam místicas canções,
Sobre violas divinas.
*
Erguem-se, enfim, os pastores
E vão caminhos de além,
Com palmas, rolas, e flores,
Cordeiros, até Belém.
*
E exclamavam indo a andar:
– «Vamos ver o vinhateiro!
Ver o que sabe lavrar
Nas nuvens, ver o Ceifeiro!
Vamos beijar os pés nus
Do que semeia nos céus.
*
Ver esse pastor que é Deus
– e traz cajado de luz!»
Chegando ao presépio, enfim,
Caem, de rojo, os pastores,
Vendo o herdeiro d’Eloim
Que veste os lírios e as flores.
Dão-lhe pombas gloriosas,
Meigos, tenros animais.
*
– Mas, vendo coisas radiosas,
Casos vindouros, fatais…
Abria o deus das crianças
Uns olhos profundos, graves,
No meio das pombas mansas
– nas palpitações das aves.
António Gomes Leal, in Antologia Poética