Lápis Mágico

É no Fogo que eu Nasci

É no Fogo que eu Nasci é um conto tradicional de Guiné-Bissau, uma recolha feita no âmbito da divulgação do património da tradição oral da CPLP

É no Fogo que eu Nasci, conto tradicional de Guiné-Bissau

Havia a Lebre, a Hiena e o Esquilo. A Hiena tinha um campo de amendoim e o Esquilo costumava convidar a Lebre para irem lá roubar. Iam todos os dias para o campo da Hiena e ficavam lá a comer-lhe o amendoim.

Um dia a Hiena saiu para ir dar uma volta pelo seu campo e reparou que já não havia quase metade da colheita.

Não fez mais nada: foi à procura do caminho por onde os ladrões vinham e quando o descobriu armou um laço no meio do caminho para apanhar os que a andavam a roubar.

Mas a Lebre é esperta. Na vez seguinte aproximou-se com muito cuidado… e acabou por ver o tal laço. Foi logo contar ao Esquilo:

– Han! Já viste? A Hiena pôs ali uma corda para nos apanhar por isso agora temos que mudar de caminho, vamos passar a ir à mancarra por outro caminho.

Assim fizeram, foram por outro caminho. Elá se puseram a comer amendoim, a comer amendoim, a comer amendoim… De repente viram vir a Hiena!

Esperaram até que a Hiena chegasse e desataram a correr.

Bom… A Lebre, esperta como era, reparou que a corda que a hiena tinha posto era muito fraca. No dia seguinte voltou. No dia seguinte a Lebre voltou mas trazia um djidiu. Combinou com o djidiu que quando a Hiena aparecesse começasse a cantar:

Foste ferida Solta a mão e corre A Hiena prendeu-te e feriu-te Solta-te e foge. Foste ferida Solta a mão e corre O laço da mãe Hiena feriu-te Solta-te e foge

Quando a Hiena chegou perto, o djidiu iniciou o seu canto — o djidiu era o Esquilo. A Lebre começou a correr e mete-se dentro do laço tchurup! Mal pôs o pé o laço apanhou-a imediatamente. Mas como o laço era fraco, ela esperneou, esperneou, tanto esperneou que acabou por cortar a corda fap! Desatou a correr e desapareceu.

Tempos mais tarde… A Lebre voltou a aparecer. A Hiena voltara a pôr outro laço. Mas a Hiena, que é burra que se farta, naquele tempo não havia corda e o algodão não serve para fazer cordas — se se molha um bocadinho só, parte-se logo —, torceu um bocado de algodão e fez assim o laço. A Lebre apareceu, viu que era algodão torcido e voltou-se para o djidiu:

– Bom já podes – para que começasse a tocar. O djidiu começou a tocar:

Foste ferida
Solta a mão e corre
A Hiena prendeu-te e feriu-te
Solta-te e foge.
Foste ferida
Solta a mão e corre
O laço da mãe Hiena feriu-te
Solta-te e foge.

A Lebre começou a correr outra vez e meteu o pé no laço tchuruc. O laço prendeu-a logo. Esperou que a Hiena se aproximasse, esperneou um bocado, partiu a corda e foi à sua vida.

A Hiena pensou, pensou até que… um dia foi à procura de arame, enrolou-o muito bem em algodão mesmo até cá em cima, e foi pô-lo lá.

A Lebre chegou, não deu muita atenção, só viu o algodão e disse logo:

– Ee! Hoje vou partir esta corda mais depressa, ela nem sequer a torceu. Vou esperar até ela chegar mesmo perto de mim para começar a correr e meter-me lá dentro.

E pôs-se logo a correr. O Esquilo também comia por outro lado. Quando reparou que se tinha que pôr a tocar, a Hiena já estava em cima deles. O Esquilo fugiu logo, nem tempo teve para tocar. A Lebre arrancou também, pôs o pé no laço tchuruc!, o arame prendeu-a. Ai! Ela bem sacudia mas não havia maneira de conseguir soltar-se… A Hiena aproximou-se, agarrou-a bem e disse:

– Sobrinha! Apanhei-te.

A Lebre respondeu:

– Ah, tia, aqora é que tu disseste uma grande verdade!

A Hiena disse:

– Vamos.

Carregou a Lebre à cabeça e levou-a para casa. Ao chegar amarrou-a muito bem amarrada e pô-la no chão.

Depois saiu à procura de lenha e começou a juntar lenha que nunca mais acabava. A seguir pôs-lhe fogo. Quando as brasas todas acabaram de arder, aquela lenha toda já queimada formava um monte de brasas gigantesco. Foi nessa altura que a Hiena foi buscar a Lebre para a ir deitar ao lume. A Lebre perguntou:

– Eh, tia, para onde é que me vais levar?

– Para dentro daquele fogo que estás ali a ver, naquelas brasas, é ali que te vou pôr.

– Tchi! — disse a Lebre. — Não precisavas de te preocupar tanto! Se me tivesses dito há mais tempo, não terias tido esse trabalho todo, carregar lenha, queimar isso tudo…Olha bem como os meus olhos são vermelhos. Estás a ver?

– Sim, — respondeu a Hiena.

– Bom, é que eu nasci no fogo. Se me pões lá não me acontece nada. O melhor é pores-me no capim, aí sim que o relento dá cabo de mim.

A Hiena, burra, não deitou a Lebre ao fogo e foi lançá-la no capim. Mal caiu no capim, a Lebre deu um salto e fugiu enquanto dizia:

– Bom, tia, então até qualquer dia.

“Contos Tradicionais da CPLP”

Glossário:

mancarra > amendoim

djidiu > músico e poeta, depositário da tradição oral

capim > relva


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