Lápis Mágico

O Homem de ferro

O Homem de ferro é um conto tradicional finlandês, retirado do livro Palácio dos Contos

O Homem de ferro, conto tradicional francês

Era uma vez um velho soldado, chamado La Ramée, que estava sempre embriagado e mascava tabaco de manhã à noite. Um dia em que o seu coronel o admoestou, puxou do sabre e matou-o. No instante imediato, chegaram o capitão e o cabo para conduzir La Ramée ao comissariado, onde lhe comunicaram que, no dia seguinte, seria presente a um conselho de guerra.
— Cabo - disse o detido -, esqueci-me da mochila em cima da mesa do meu quarto. E uma coisa que não me costuma acontecer, pois tenho sempre muito cuidado com aquilo que me pertence. Posso ir buscá-la?
— Pois sim, vai.
La Ramée pegou na mochila, que estava cheia de pão, atirou-a à rua e depois saltou pela janela, recolheu-a e pôs-se em fuga, rumo a Inglaterra, onde supunha que se encontraria em segurança.
Um dia em que atravessava um bosque, avistou uma choça miserável e, como morria de fome, entrou e deparou-se-lhe uma mulher idosa que gramava cânhamo, à qual perguntou se lhe podia dar algo de comer e uma cama para pernoitar. Ela serviu-lhe um guisado à base de batatas e indicou um canto em que estavam amontoados resíduos de cânhamo, onde, à falta de um leito, poderia dormir.
Na manhã seguinte, La Ramée dispunha-se a reatar a marcha, quando a velha lhe disse:
— Sei uma coisa que pode contribuir para que tanto tu como eu façamos fortuna. Em determinado lugar, há um castelo ao qual te explicarei como deves chegar. Tens de te encaminhar para lá e tentar entrar. No primeiro aposento, verás ouro e prata em cima de uma mesa; no segundo, leões; no terceiro, serpentes; no quarto, dragões; no quinto, Ossos; e no sexto, três leopardos. Tens de atravessar todos rapidamente e sem te assustares. Quando entrares no sétimo aposento, verás um homem de ferro sentado numa bigorna de bronze e, atrás dele, uma vela acesa. Avança diretamente para esta última, apaga-a e guarda-a na algibeira. Depois, tens de cruzar um pátio em que se encontra um pelotão de guarda. Os soldados olharão para ti, mas não voltes os olhos para eles, conservando-os fixos no chão. Deves tomar a preocupação de proceder como te indico, sob pena de te perseguir a má sorte.
La Ramée seguiu o caminho referido e não tardou a chegar ao castelo. No primeiro aposento, avistou em cima de uma mesa um montão de ouro e prata; no segundo, leões; no terceiro, serpentes; no quarto dragões; no quinto, ossos; no sexto, três leopardos; e, quando chegou finalmente ao sétimo, um homem de ferro e, atrás dele, uma vela acesa. Ele avançou diretamente para esta última, apagou-a e guardou-a na algibeira. Depois, com os olhos fixos no chão, atravessou um largo pátio onde se encontrava um pelotão de guarda. Quando abandonou o castelo, lembrou-se de acender a vela. No momento seguinte, o homem de ferro, que era o servo da vela, apareceu na sua frente e perguntou:
— Que desejas, meu amo?
— Dá-me dinheiro - replicou La Ramée. - Há muito tempo que anseio por possuir uma fortuna.
O homem de ferro encheu-lhe a mochila de dinheiro e desapareceu.
La Ramée pôs-se então a caminho em direção à capital do reino. Antes de lá chegar, porém, surgiu a velha bruxa, que lhe pediu a vela. Primeiro, ele disse que a tinha perdido, mas depois entregou-lhe uma vela vulgar.
— Não é essa que pretendo - retorquiu ela.
— Entrega-me imediatamente a que te mandei buscar.
Ao ver que a ameaçava, La Ramée lançou-se-lhe em cima e matou-a.
Quando chegou à capital, hospedou-se no hotel dos príncipes, onde pagava a diária de cinquenta francos. E, como não se privava de nada, a mochila não tardou a ficar vazia e ele a dever o alojamento de dois ou três dias. Reconheceu que se achava em apuros, sobretudo porque a proprietária do hotel não parava de lhe exigir o pagamento da dívida.
Depois de esquadrinhar mais uma vez a mochila sem descobrir um único cêntimo, introduziu a mão na algibeira, esperançado em encontrar uma ou duas moedas, e os dedos rodearam a vela.
— Que imbecil sou! - exclamou. - Como é possível que me esquecesse dela?
Acendeu-a rapidamente, e o homem de ferro surgiu com prontidão.
— Que desejas, meu amo?
— Deixaste-me sem um chavo, patife!
— Ignorava-o, amo. Só me posso inteirar por meio da vela.
— Bem, então dá-me dinheiro!
O homem de ferro deu mais dinheiro a La Ramée numa quantia superior à anterior. Enquanto ele se apressava a contar as moedas e amontoá-las em cima da mesa, uma serviçal espreitou pelo buraco da fechadura e correu a informar a ama da fortuna do hóspede, pelo que não o devia tratar como um indigente. Assim, quando La Ramée a procurou para pagar o que lhe devia, ela recebeu-o com uma expressão cordial.
Dois ou três dias mais tarde, ele voltou a acender a vela. Como de costume, o homem de ferro apresentou-se com prontidão.
— Que desejas, meu amo?
— Que a princesa, filha do rei de Inglaterra, passe a noite no meu quarto.
As coisas desenrolaram-se como ele desejava. À noite, a princesa encontrava-se no quarto do hotel. No entanto, quando La Ramée lhe falou de casamento, nem quis considerar a possibilidade. Passou a noite encolhida a um canto e, de manhã, ele ordenou ao servo da vela que a restituísse ao palácio.
Ora, ela tinha o hábito de ir todas as manhãs beijar o pai, e, ao ver que não aparecia nesse dia, o rei ficou surpreendido. Por fim, quando, passadas várias horas, surgiu, exclamou:
— Que noite tão triste passei, pai!
E explicou o sucedido. O monarca, profundamente impressionado e receoso, apressou-se a mandar chamar uma fada, a fim de o aconselhar.
— O assunto tem que ver com algo de mais poderoso que eu - declarou ela. — Só me ocorre uma ideia: dá à princesa um saco de trigo, com a recomendação de que o verta na casa onde passar a noite. Assim, poderá localizar-se.
Entretanto, La Ramée mudou de hotel e, um dia, acendeu a vela e disse ao homem de ferro:
— Quero que a princesa venha ao meu quarto, esta noite.
— Traíram-nos, amo - informou o outro. - No entanto, farei o que me ordenas.
Depois de cumprir a ordem, foi buscar todo o trigo que havia nas padarias e espalhou-o por todas as casas, pelo que, na manhã seguinte, não houve a menor possibilidade de determinar onde a princesa passara a noite.
Em face disso, a fada aconselhou o rei a entregar à filha um odre cheio de sangue, que ela deveria perfurar na casa em que pernoitasse.
La Ramée tornou a ordenar ao servo da vela que fosse buscar a princesa.
— Traíram-nos, amo - informou o homem de ferro. - No entanto, farei o que me ordenas.
Entrou nas cavalariças do rei, matou todos os cavalos de guerra e todos os bois e espalhou o sangue por todos os lados. De manhã, todas as ruas e todas as casas se achavam repletas de sangue, pelo que o rei não pôde descobrir nada. Por conseguinte, consultou mais uma vez a fada, que recomendou:
— Deves colocar guardas perto da princesa. A noite, La Ramée acendeu a vela, e o homem de ferro fez a sua aparição, para anunciar:
— Fomos traídos, amo. Há guardas junto da princesa. Não posso fazer nada contra eles.
La Ramée quis ir ele próprio, mas os guardas detiveram-no, acorrentaram-no e encerraram?no num calabouço escuro e húmido.
Chorava e lamentava-se atrás das grades da janela da cela, quando viu passar na rua um velho soldado francês, seu antigo companheiro de armas, e chamou-o.
— Essa, agora! - exclamou o homem. — Não és, porventura, La Ramée?
— Sim, sou eu. Fazias-me um grande favor se fosses ao meu hotel e trouxesses o acendedor, o tabaco e a vela, que deixei escondida debaixo do travesseiro.
O soldado pediu autorização ao sargento da guarda e apresentou-se no hotel, da parte de La Ramée.
— Ah, vens mandado por esse malandro? - vociferou o proprietário. - Pega nos trastes dele e diz-lhe que não volte a pôr cá os pés.
Quando recebeu os objetos pedidos, La Ramée utilizou o acendedor para acender a vela. No momento imediato, surgiu o homem de ferro, que lhe retirou as correntes.
— Miserável! - rugiu La Ramée. - Como pudeste deixar-me abandonado neste calabouço?
— Eu não sabia de nada, amo - replicou o homem de ferro.
— Só me posso inteirar por meio da vela.
— Bem, tira-me daqui!
Libertou imediatamente La Ramée e deu-lhe todo o ouro e prata que quis, após o que este o mandou transportar a uma alta montanha próxima da capital e instalar nela uma bateria de duzentos canhões. Por último, declarou guerra ao rei de Inglaterra, o qual enviou cem homens para o enfrentar.
O exército de La Ramée era formado por cinco homens de ferro. O combate não se prolongou muito - todos os enviados do rei morreram, salvo o tambor, que tratou de o prevenir do resultado da confrontação. La Ramée instou o monarca a render-se, porém este respondeu que não lhe metia medo e enviou mais quatrocentos homens ao seu encontro, os quais também morreram.
De súbito, La Ramée viu passar um cego com a sua mulher, o qual tinha um decrépito violino que tocava de forma deplorável.
— Que violino tão bonito! - exclamou La Ramée.
— Não te rias dele - replicou o cego. — Tem poderes sobre os vivos e os mortos.
— Vende-mo.
— Não posso. Ajuda-me a ganhar a vida.
— Desfazias-te dele por dez mil francos?
— Com o maior prazer.
La Ramée contou os dez mil francos e ficou com o violino. Em seguida, enviou um mensageiro comunicar ao rei de Inglaterra que, se não lhe entregasse a filha para casar com ele, a guerra prosseguiria.
E o mensageiro salientou:
— Como soldados, há homens de três metros de altura, armados de sabres de dois e meio de comprimento.
O monarca declarou então que estava disposto a entabular negociações. Com efeito, passado pouco tempo, apresentou-se perante La Ramée com a filha.
— Concedo-te duas horas para refletir - anunciou este último.
— Se não aceitares as minhas condições, bombardeio o castelo e toda a cidade.
O rei ponderou a situação por uns momentos e acabou por admitir:
— Estaria disposto a assinar a paz, se não tivessem morrido tantos homens.
— Nada mais fácil do que ressuscitá-los, Majestade - replicou La Ramée.
Pegou no violino e, à primeira nota, os soldados dispersos no chão começaram a mover-se, uns à procura dos braços, outros das pernas e outros ainda da cabeça.
Ao presenciar a insólita cena, o monarca declarou sentir-se satisfeito e autorizou o casamento. Como principiava a envelhecer, aposentou-se e La Ramée substituiu-o como rei de Inglaterra. Assim, o rei de França teve de lhe perdoar a deserção e todas as outras proezas.

** DIEDERICHS, Ulf,Palácio dos Contos,vol.I, Círculo de Leitores, Lisboa,1999**

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