O rei ouvia sempre falar em Frei João Sem Cuidados como um homem que não se afligia com coisa nenhuma deste mundo:
–Deixa-te estar, que eu é que te hei-de meter em trabalhos. Mandou-o chamar a sua presença, e disse-lhe:
–Vou dar-te uma adivinha, e se dentro em três dias me não souberes responder, mando-te matar. Quero que me digas:
“Quanto pesa a Lua?”;
“Quanta água tem o mar?“ e
“O que é que eu penso?”.
Frei João Sem Cuidados saiu do palácio bastante atrapalhado, pensando na resposta que havia de dar àquelas perguntas. O seu moleiro encontrou-o no caminho, e lá estranhou de ver Frei João Sem Cuidados, de cabeça baixa e macambúzio.
–Olá, Senhor Frei João Sem Cuidados, então o que é isso, que o vejo tão triste?
–E que o rei disse-me que me mandava matar, se dentro em três dias eu lhe não respondesse a estas perguntas:
— Quanto pesa a Lua? Quanta água tem o mar? E o que é que ele pensa?
O moleiro pôs-se a rir, e disse-lhe que não tivesse cuidado, que lhe emprestasse o hábito de frade, que ele iria disfarçado e havia de dar boas respostas ao rei.
Passados os três dias, o moleiro vestido de frade, foi pedir audiência ao rei. O rei perguntou-lhe:
–Então, quanto pesa a Lua?
–Saberá Vossa Majestade que não pode pesar mais do que um arrátel, porque todos dizem que ela tem quatro quartos.
–É verdade. E agora: Quanta água tem o mar?
–Respondeu o moleiro: isso é muito fácil de saber; mas como Vossa Majestade só quis saber da água do mar, é preciso que primeiro mande tapar todos os rios, porque sem isso nada feito.
O rei achou bem respondido; mas zangado por ver que Frei João se escapava das dificuldades, tornou:
–Agora, se não souberes o que é que eu penso, mando-te matar! O moleiro respondeu:
– Ora, Vossa Majestade pensa que esta falando com Frei João Sem Cuidados, e está mas é falando com o seu moleiro.
Deixou cair o hábito de frade, e o rei ficou pasmado com a esperteza do ladino.
Glossário:
moleiro > antiga profissão ligada à moagem de cereais, para a fabricação de farinha
arrátel > antiga unidade de peso (459 gramas)
“Contos Tradicionais da CPLP”