Uma vez havia um Lobo e um Chibinho que há muito tempo não se viam.
Todos os dias o Lobo olhava o mar e ia apanhar caranguejos, lagostas para comer.
Um certo dia ele encontrou o Chibinho. De longe, viu-o gordo, rijo e valente. Sentou-se em cima de uma pedra, com as mãos no queixo, tristonho… Quando o Chibinho chegou perto dele, achou-o muito triste e perguntou:
– O que tem o Tio que está triste assim?
E o Lobo respondeu:
– Chibinho, tenho uma coisa trancada nos dentes, que está a doer-me tanto! Graças a Deus apareceste aqui!… Tira-me isto depressa Chibinho!
– Sim, sim, tiro-lhe com um pau!
E o Lobo.
– Não, com pau não, está a doer de mais.
– Meu Tio, é com pau que vou tirar, o senhor é muito esperto!… Se eu puser o dedo, o senhor morde-me.
E o Lobo.
– Não Chibinho, como tenho dor nos dentes não consigo pegar nada com a boca. Mesmo que queira.
– Então Ti Lobo, abra a boca e deixe-me tirar-lhe!
Mal Chibinho meteu o dedo na boca, o Lobo pregou-lhe os dentes no dedo. Chibinho desata aos gritos:
– Uai, uai, uai!… Meu Tio, o senhor não é sério… É assim que se faz?
– Qual sério? Diz Ti Lobo. É assim mesmo que se faz!… Diz-me, já o que andas a comer, que estás gordo dessa maneira, e eu magro deste jeito!
– Meu Tio, Ti Lobo, é somente ovos da Tia Ganga que ando a comer!
– Então diz-me já a que horas vais, para irmos juntos.
– É à noite, ali pela madrugada que eu vou! Responde Chibinho.
Dito isto o Lobo soltou-lhe o dedo, mas não folgou do lado do Chibinho.
À tarde, foram a uma achada e fizeram um funco, para dormirem e não ficarem à noite ao relento.
Entraram no funco. Quando a noite já ia alta, diz Ti Lobo:
– Vamos Chibinho! Vamos!
E o Chibinho…
– Meu tio, é cedo de mais! É madrugada dentro, quando a Tia Ganga sair de casa para ir às compras. Então é que vamos. Se formos antes ela estará em casa, e assim não conseguiremos comer os ovos.
– Está bem Chibinho, vamos esperar!
Passou-se mais um bocado, e Ti Lobo insistiu.
– Ó Chibinho vamos! Vamos, vamos…
– Meu Tio vamos dormir mais um pouco… Ainda é cedo. Esperemos madrugada dentro… Quando o galo cantar!
Então, o Lobo saiu foi para trás do funco, parou um bocado, bateu com as mãos no peito e fez assim:
– Có-culé-cóóó, co-culé-cóóó! Chibinho o galo já cantou, vamos agora!
Chibinho respondeu-lhe desconfiado.
– Meu Tio, essa era a sua voz. Vamos mas é quando o galo cantar, quando estiver bem claro, o céu la em cima do mar.
Passado mais um bocado, o Lobo levou a mão ao bolso, tirou uma caixa de fósforos e pegou fogo ao funco. Vira-se para Chibinho e diz:
– Chibinho, levanta-te e vamos! O sol começa a acordar. Olha só o clarão que está no céu ali!
De um salto Chibinho levanta-se, sai à rua e diz:
– Pronto meu Tio, agora já pegaste fogo ao funco por causa dessa tua barriga larga… Assim vamos ficar na rua até de madrugada.
Quando a madrugada clareou viram a casa da Tia Ganga e foram em direção à porta.
– Porta, abre-te! Ordenou Chibinho.
– Para espanto de Ti Lobo a porta abriu-se, e entraram. Lá dentro Chibinho diz à porta:
– Porta fecha-te!
E a porta fechou-se de novo. Sorrateiramente meteram-se debaixo da cama da Tia Ganga, e comeram ovos à vontade.
E Chibinho diz ao Tio:
– Meu Tio já chega, já chega. Agora vamos!
O insaciável Lobo responde:
– Oh seu descarado!… Eu nem me fartei ainda, quanto mais para guardar alguns ovos num saco. Então Chibinho sai do funco e diz:
– Vou-me embora, vou-me embora. Porta fecha-te!
Fechou-se a porta e o nosso Chibinho foi-se embora. Lá dentro ficou o Lobo a comer ovos, e mais ovos doidamente.
Entretanto regressa a Tia Ganga, Ti Lobo ouve-a chegar e de um salto põe-se atrás da porta. A nossa Ti Ganga, de fora ordena:
– Porta abre!
E ti Lobo de dentro:
– Porta fecha!
E assim continuaram horas a fio.
– Porta abre!
– Porta fecha!
– Porta abre!
– Porta fecha!
– Porta abre!
– Porta fecha.
Dentro desse abrir e fechar, enganam-se e dizem:
– Porta abre!
E a porta abriu-se. Então o Lobo, de um salto mete-se debaixo da cama. A Tia Ganga entra, põem as compras em cima da mesa e manda a porta fechar-se. Depois deita-se na cama para descansar. De tão cansada, mexe-se tanto, atrás e à frente, e atrás e à frente, e atrás e à frente, e de repente dá um pum mal cheiroso. – Oh minha porca, se o teu pum é tão mal cheiroso, quanto mais o teu rabo!
Com surpresa Tia Ganga pergunta:
– Quem é que está dentro da minha casa? Eu vou saber agora mesmo!
Tia Ganga apanha uma espada, levanta o colchão e de um salto o Lobo pôs-se atrás da porta a dizer:
– “Porta, a…”, mas mais rápida, a espada da Tia Ganga não o deixa completar a palavra “abre”!
De um golpe Ti Ganga abre a barriga do Lobo. Os ovos estavam todos inteiros mas já cozidos.
A fome do estômago do Lobo tinha mais calor do que o calor de um fogão.
“Contos Tradicionais da CPLP”
Glossário:
funco > pequena casinha de palha de forma arredondada