Lápis Mágico

O Lobo, o Chibinho e a Tia Ganga

O Lobo, o Chibinho e a Tia Ganga é um conto tradicional de Cabo Verde, uma recolha feita no âmbito da divulgação do património da tradição oral da CPLP

O Lobo, o Chibinho e a Tia Ganga, conto tradicional de Cabo Verde

Uma vez havia um Lobo e um Chibinho que há muito tempo não se viam.

Todos os dias o Lobo olhava o mar e ia apanhar caranguejos, lagostas para comer.

Um certo dia ele encontrou o Chibinho. De longe, viu-o gordo, rijo e valente. Sentou-se em cima de uma pedra, com as mãos no queixo, tristonho… Quando o Chibinho chegou perto dele, achou-o muito triste e perguntou:

– O que tem o Tio que está triste assim?

E o Lobo respondeu:

– Chibinho, tenho uma coisa trancada nos dentes, que está a doer-me tanto! Graças a Deus apareceste aqui!… Tira-me isto depressa Chibinho!

– Sim, sim, tiro-lhe com um pau!

E o Lobo.

– Não, com pau não, está a doer de mais.

– Meu Tio, é com pau que vou tirar, o senhor é muito esperto!… Se eu puser o dedo, o senhor morde-me.

E o Lobo.

– Não Chibinho, como tenho dor nos dentes não consigo pegar nada com a boca. Mesmo que queira.

– Então Ti Lobo, abra a boca e deixe-me tirar-lhe!

Mal Chibinho meteu o dedo na boca, o Lobo pregou-lhe os dentes no dedo. Chibinho desata aos gritos:

– Uai, uai, uai!… Meu Tio, o senhor não é sério… É assim que se faz?

– Qual sério? Diz Ti Lobo. É assim mesmo que se faz!… Diz-me, já o que andas a comer, que estás gordo dessa maneira, e eu magro deste jeito!

– Meu Tio, Ti Lobo, é somente ovos da Tia Ganga que ando a comer!

– Então diz-me já a que horas vais, para irmos juntos.

– É à noite, ali pela madrugada que eu vou! Responde Chibinho.

Dito isto o Lobo soltou-lhe o dedo, mas não folgou do lado do Chibinho.

À tarde, foram a uma achada e fizeram um funco, para dormirem e não ficarem à noite ao relento.

Entraram no funco. Quando a noite já ia alta, diz Ti Lobo:

– Vamos Chibinho! Vamos!

E o Chibinho…

– Meu tio, é cedo de mais! É madrugada dentro, quando a Tia Ganga sair de casa para ir às compras. Então é que vamos. Se formos antes ela estará em casa, e assim não conseguiremos comer os ovos.

– Está bem Chibinho, vamos esperar!

Passou-se mais um bocado, e Ti Lobo insistiu.

– Ó Chibinho vamos! Vamos, vamos…

– Meu Tio vamos dormir mais um pouco… Ainda é cedo. Esperemos madrugada dentro… Quando o galo cantar!

Então, o Lobo saiu foi para trás do funco, parou um bocado, bateu com as mãos no peito e fez assim:

– Có-culé-cóóó, co-culé-cóóó! Chibinho o galo já cantou, vamos agora!

Chibinho respondeu-lhe desconfiado.

– Meu Tio, essa era a sua voz. Vamos mas é quando o galo cantar, quando estiver bem claro, o céu la em cima do mar.

Passado mais um bocado, o Lobo levou a mão ao bolso, tirou uma caixa de fósforos e pegou fogo ao funco. Vira-se para Chibinho e diz:

– Chibinho, levanta-te e vamos! O sol começa a acordar. Olha só o clarão que está no céu ali!

De um salto Chibinho levanta-se, sai à rua e diz:

– Pronto meu Tio, agora já pegaste fogo ao funco por causa dessa tua barriga larga… Assim vamos ficar na rua até de madrugada.

Quando a madrugada clareou viram a casa da Tia Ganga e foram em direção à porta.

– Porta, abre-te! Ordenou Chibinho.

– Para espanto de Ti Lobo a porta abriu-se, e entraram. Lá dentro Chibinho diz à porta:

– Porta fecha-te!

E a porta fechou-se de novo. Sorrateiramente meteram-se debaixo da cama da Tia Ganga, e comeram ovos à vontade.

E Chibinho diz ao Tio:

– Meu Tio já chega, já chega. Agora vamos!

O insaciável Lobo responde:

– Oh seu descarado!… Eu nem me fartei ainda, quanto mais para guardar alguns ovos num saco. Então Chibinho sai do funco e diz:

– Vou-me embora, vou-me embora. Porta fecha-te!

Fechou-se a porta e o nosso Chibinho foi-se embora. Lá dentro ficou o Lobo a comer ovos, e mais ovos doidamente.

Entretanto regressa a Tia Ganga, Ti Lobo ouve-a chegar e de um salto põe-se atrás da porta. A nossa Ti Ganga, de fora ordena:

– Porta abre!

E ti Lobo de dentro:

– Porta fecha!

E assim continuaram horas a fio.

– Porta abre!

– Porta fecha!

– Porta abre!

– Porta fecha!

– Porta abre!

– Porta fecha.

Dentro desse abrir e fechar, enganam-se e dizem:

– Porta abre!

E a porta abriu-se. Então o Lobo, de um salto mete-se debaixo da cama. A Tia Ganga entra, põem as compras em cima da mesa e manda a porta fechar-se. Depois deita-se na cama para descansar. De tão cansada, mexe-se tanto, atrás e à frente, e atrás e à frente, e atrás e à frente, e de repente dá um pum mal cheiroso. – Oh minha porca, se o teu pum é tão mal cheiroso, quanto mais o teu rabo!

Com surpresa Tia Ganga pergunta:

– Quem é que está dentro da minha casa? Eu vou saber agora mesmo!

Tia Ganga apanha uma espada, levanta o colchão e de um salto o Lobo pôs-se atrás da porta a dizer:

– “Porta, a…”, mas mais rápida, a espada da Tia Ganga não o deixa completar a palavra “abre”!

De um golpe Ti Ganga abre a barriga do Lobo. Os ovos estavam todos inteiros mas já cozidos.

A fome do estômago do Lobo tinha mais calor do que o calor de um fogão.

“Contos Tradicionais da CPLP”

Glossário:

funco > pequena casinha de palha de forma arredondada


Compre os seus livros na loja online Wook.
Gostou deste conteúdo sobre O Lobo, o Chibinho e a Tia Ganga?

Adira à nossa lista especial para receber conteúdos didáticos