Lápis Mágico

O porco

Conto tradicional dinamarquês O porco, retirado do livro Palácio dos Contos

O porco conto tradicional dinamarquês

Era uma vez uma mulher que tinha três filhas. Um dia, elas tiveram de cardar linho e, enquanto o faziam, apareceu a mãe para verificar como o trabalho decorria. Entretanto, um porco entrou a correr no quintal e comeu as couves. A mulher mandou a filha mais velha afugentá-lo, pelo que esta se pôs a correr com o cardador de linho na mão.
Mas quando chegou ao local onde o animal se encontrava, este gritou:

— Faz-me cócegas! Faz-me cócegas!

— Sim! — replicou ela. — Vou fazer-te tantas, que morrerás de medo!

Começou a persegui-lo, mas o porco desapareceu no bosque próximo. Em seguida, formou-se um nevoeiro tão intenso, que ela se sentiu totalmente perdida. No entanto, o porco escondeu-se atrás de uma moita e reapareceu convertido num ser humano, o qual pediu à jovem que o acompanhasse, para viver em sua casa. Assegurou-lhe que levaria uma vida regalada e apenas teria de preparar a comida para ambos. A parte isso, poderia proceder como entendesse. Como ela não era capaz de encontrar o caminho de regresso, pois estava completamente perdida, decidiu aceitar a proposta.

No dia seguinte, a mãe e as outras duas filhas faziam pão, quando tornou a entrar um porco no quintal. A mulher disse à segunda filha que o afugentasse imediatamente e a jovem perseguiu-o com o atiçador na mão, mas, quando estava prestes a alcançá-lo, o porco gritou como anteriormente:

— Faz-me cócegas! Faz-me cócegas!

— Espera e verás as que te vou fazer! — replicou ela, brandindo o atiçador.
O animal recomeçou a correr, com a jovem no seu encalço, até que chegaram ao bosque, onde se formou o mesmo nevoeiro intenso e ela sentiu-se totalmente perdida. Deixou de ver o porco, mas, de repente, surgiu um homem, que a convidou a acompanhá-lo a casa, onde viveria sem ter de trabalhar e poderia admirar todo o seu ouro e prata. A única coisa que lhe estaria vedada seria determinado aposento. No dia seguinte, a mãe e a filha que restava cardavam linho, quando tornaram a ver um porco no quintal. A filha quis ir expulsá-lo, mas a mãe não o permitiu, pois temia que ela desaparecesse, como acontecera às duas irmãs.
— Não te preocupes — disse a jovem. — Terei cuidado.

E pôs-se a correr atrás do porco, que repetiu de novo o desafio:

— Faz-me cócegas! Faz-me cócegas!

— Vais ficar admirado com as que te farei — replicou ela, tentando atingi-lo com a carda.

— Sim, podes fazer-me cócegas — volveu o porco, correndo em direcção ao bosque, com ela no seu encalço.

Mas formou-se mais uma vez um nevoeiro intenso e ela acabou por se perder. O porco transformou-se, então, num homem, que lhe pediu que o acompanhasse e se tornasse sua mulher. Assegurou-lhe que apenas teria de preparar a comida para ambos e abster-se de entrar em dois aposentos que havia em casa (tratava-se dos quartos onde mantinha encerradas as duas irmãs). E como a jovem não conseguia encontrar o caminho de regresso a casa, aceitou a proposta.

Estava-se na verdade muito bem na casa, onde havia quantidades assombrosas de artigos de ouro e de prata. Apesar disso ela não se sentia feliz, pois sabia que a mãe devia estar preocupada por desconhecer o seu paradeiro. Para mais, não fazia a menor ideia de como poderia voltar para lá.

O homem passava todo o dia ausente, pelo que, entretanto, a jovem fazia o que queria em casa. Um dia, lembrou-se de espreitar pelo buraco da fechadura de cada um dos quartos em que não podia entrar e descobriu que as duas irmãs se encontravam ai encerradas. Chamou-as e começaram a conversar através das portas trancadas, ponderando uma maneira de voltarem a estar juntas e regressar a casa. Uma delas sabia que a chave se achava em determinado armário, pelo que a moça que desfrutava de liberdade de movimentos não tardou a apoderar-se dela. Ao mesmo tempo, dava tratos à imaginação para descobrir uma forma de recuperarem a liberdade e porem termo à angústia da mãe.

Quando o homem regressou a casa, à noite, queixou-se do frio intenso que fazia.

— Nós podemos defender-nos, mas como resistirão os meus pobres pais? — alegou a jovem. — O combustível de que dispõem não lhes permite um aquecimento eficiente.

Ele declarou então que não via qualquer inconveniente em os ajudar nesse aspecto. Acrescentou que iria lá nessa mesma noite e pediu-lhe que enchesse um saco de carvão e o atasse. Ela mostrou-se profundamente grata e ficou muito satisfeita. Depois, pegou num saco, colocou no fundo ouro e prata, a seguir a irmã mais velha e cobriu-a de carvão, para que ele não suspeitasse de nada, recomendando àquela: — Se, pelo caminho, ele quiser desatar o saco para espreitar, dirás: “Olha que te estou a ver!” Assim, pensará que o vigio. Quando o homem pegou no saco, a jovem recomendou-lhe que não o abrisse, pois ela ficaria a vigiá-lo, para ver se levava o carvão directamente aos pais. Ele acedeu, mas quando percorrera uma boa parte do caminho, murmurou:

A carga é pesada e o percurso longo.
Porque será que o saco pesa tanto?

Nessa altura, a jovem encerrada no saco exclamou:

— Olha que te estou a ver! Olha que te estou a ver!

O homem assustou-se, convencido de que a esposa continuava a observá-lo, e grunhiu:

Malditos sejam os teus olhos, que são
capazes de ver através de montanhas e vales.

Estugou o passo para chegar o mais depressa possível, entregou o saco e disse que continha carvão para se aquecerem. Quando os pais o abriram, congratularam-se por terem recuperado a filha mais velha.
O homem regressou a casa, mas estava tão cansado, que não entrou nos aposentos, como costumava fazer. No dia seguinte, a esposa salientou que continuava a fazer muito frio e receava que os pais já tivessem consumido todo o combustível, pelo que lhe perguntou se queria levar-lhes outro saco de carvão.

— Está bem — assentiu o homem, e pediu-lhe que o enchesse.

Ela voltou a colocar ouro e prata no fundo, a seguir a segunda irmã e, por cima, algum carvão e procedeu a idêntica recomendação. O homem partiu carregado com o saco, mas, quando já percorrera uma distância considerável, disse:

— A carga é pesada e o caminho longo. Porque será que o saco pesa tanto?

A irmã que se encontrava dentro do saco exclamou:

— Olha que te estou a ver! Olha que te estou a ver!

Ele convenceu-se de novo de que a esposa o vigiava e grunhiu:

— Malditos sejam os teus olhos, que são capazes de ver através de montanhas e vales.

Estugou o passo para chegar o mais depressa possível e largou o saco à entrada ruidosamente. De regresso a casa, quis dar uma vista de olhos aos quartos. No entanto, a esposa argumentou que deixasse isso para outro dia, pois o jantar estava pronto e arrefeceria rapidamente. Por conseguinte, também não entrou lá, naquela noite.

No dia seguinte, esteve ausente até muito tarde, pelo que a visita ficou mais uma vez adiada. Todavia, quando chegou a casa, a esposa tornou a pedir-lhe que levasse mais um saco de carvão aos pais.

— Está bem — concordou ele. — Mas é o terceiro e último. Ela disse que concordava e não o tornaria a incomodar com pedidos dessa natureza.

— Mas não me sinto muito bem, hoje — explicou. — Se não encontrares o saco atado, é porque me fui deitar. Sendo assim, ocupa-te tu disso.

O marido replicou que sim, que o faria.

Quando partiu, a esposa colocou uma almofada longa sob os lençóis da cama, introduziu ouro e prata num saco, entrou em seguida e cobriu-se com algum carvão. Quando o homem chegou, à noite, viu que o saco não estava atado, concluiu que ela já se deitara, atou-o e partiu com ele às costas. Mais ou menos a meio do percurso, disse:

— A carga é pesada e o caminho longo.
Porque será que o saco pesa tanto?

E ela exclamou de dentro do saco:

— Olha que te estou a ver! Olha que te estou a ver!

— Está bem! — grunhiu ele, que continuou:

— Malditos sejam os teus olhos, que são
capazes de ver através de montanhas e vales.

E estugou o passo para chegar o mais depressa possível.

— Aqui têm! — bradou, largando o saco à entrada da casa.

— Mas é o último, ouviram?

Eles agradeceram-lhe muito e sentiram-se totalmente felizes, porque tinham recuperado todas as filhas. Ele próprio as levara e encarregara-se de as devolver, ainda que inconscientemente.

Quando chegou a casa, o homem dispôs finalmente de tempo para visitar os quartos. Ao vê-los vazios, correu para o seu, com a intenção de increpar a esposa. Chamou-a e sacudiu-a, mas a única coisa que encontrou entre as mãos foi uma longa almofada. Compreendeu então que tinha sido ludibriado e ficou tão furioso que explodiu num monte de pequenas pedras como as que se nos introduzem nos sapatos.

** DIEDERICHS, Ulf,Palácio dos Contos,vol.I, Círculo de Leitores, Lisboa,1999**


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