Lápis Mágico

Os desejos

Conto tradicional dinamarquês Os desejos

Os desejos conto tradicional dinamarquês

Era uma vez uma mulher pobre que só tinha um filho. Este chamava-se Lars, mas todos o conheciam por Lars Mandrião, pois era de tal modo madraço que nunca fazia nada, além de permanecer em casa, a um canto da estufa de cerâmica da mãe. Quando ela lhe pedia que fosse buscar alguma coisa ou fizesse um recado, costumava dizer:

— Não me apetece!

À parte isto, porém, comportava-se bem e obedecia… se lhe apetecia.

Um dia, a mãe perguntou-lhe se podia dirigir-se ao arroio para trazer um balde de água.

— Está bem, se me apetecer! — foi a resposta, e espreguiçou-se várias vezes, até que se decidiu a pegar no balde e ir enchê-lo. Chegado ao arroio, mergulhou-o na água, mas transcorreu um longo momento primeiro que tornasse a pegar na asa para o retirar. E fê-lo com um puxão brusco. Devido ao tempo que estivera imerso, o balde converteu-se numa espécie de armadilha, e um peixe ficou preso nele.

Quando Lars o recolheu, viu que o peixe nadava atabalhoadamente dentro. Isto passou-se numa época em que os peixes ainda não eram mudos ou, pelo menos, todos, pelo que aquele começou a falar e pediu-lhe que o restituísse ao arroio. — Porque havia de o fazer? — replicou o rapaz. — Na única vez que consigo capturar um peixe de uma forma tão inesperada, prefiro levá-lo para casa e grelhá-lo para o jantar.

Então, o peixe informou:

— Se me soltares no arroio, concedo-te três desejos. Poderás pedir o que quiseres e ser-te-á concedido. “Bem, isso já é outra coisa”, pensou Lars. Ato contínuo, pegou nele pela cauda e lançou-o de novo ao arroio. Em seguida, regressou a casa com o balde cheio de água.

No entanto, levá-lo cheio custava muito mais do que se estivesse vazio. Quando chegou ao lugar onde a mãe costumava lavar a roupa, sentia-se cansado, pelo que deixou o balde em cima da tábua de lavar e escarranchou-se ao lado. Queria recompor-se um pouco do esforço efetuado.

Ocorreu-lhe de súbito que podia começar a verificar se na realidade lhe eram concedidos os três desejos prometidos pelo peixe. Assim, desejou que a tábua de lavar o conduzisse onde quisesse, por terra ou por mar, pois desse modo não tornaria a ter de se deslocar a pé. Decidiu entrar em casa com o balde e, no mesmo instante, a tábua elevou-se no ar e voou com ele e o balde até ao interior da casa da mãe. “Isto foi muito divertido”, refletiu. “Assim, posso cavalgar por onde me apetecer.” E continuou a fazê-lo, escarranchado na tábua de lavar, com o balde à frente. Quando passou diante do palácio real, viu assomada à janela a princesa, uma jovem que ria com gosto. Ao avistar aquele método de navegação aérea, irrompeu em sonoras gargalhadas e chamou as suas damas de honor, que fizeram coro com ela.

Lars Mandrião irritou-se e proferiu para consigo:

— Oxalá tenhas um rapaz, por estares a gozar-me!

Ao ver-se alvo de chacota, perdeu a vontade de continuar a cavalgar e preferiu voltar para casa, e assim fez, com o balde e tudo.

No entanto, resolveu não dizer nada à mãe. Não estava nada satisfeito com a concretização do seu primeiro desejo, convencido de que a única coisa que conseguira fora que se rissem dele. Do segundo, já nem se recordava e achou preferível reservar o terceiro para quando tivesse mais alguns anos e um pouco mais de discernimento.

E óbvio que Lars não tivera tempo de pensar no seu segundo desejo, pois pretendera apenas desoprimir-se da indignação que o assolava naquele momento, e ninguém o escutara. No entanto, para a princesa, a situação foi muito diferente, pois nove meses mais tarde dava à luz um belo e rechonchudo rapaz. O rei enfureceu-se e insistiu para que lhe revelasse o nome do pai da criança, mas ela não o podia elucidar, pois não fazia a mais remota ideia do que acontecera. Foram então enviados mensageiros aos homens mais sábios do país, os quais recomendaram que se mantivesse sigilo absoluto até que a criança completasse três anos. Chegada essa data, deviam ser convocados todos os homens do reino e colocados em fila indiana, para desfilar diante do filho da princesa, o qual teria de estar presente, com uma maçã de ouro na mão. Aquele a quem a maçã fosse entregue, seria sem dúvida o pai da criança.

O rei seguiu o conselho, pelo que, durante três anos, não se fez nem disse nada. Todavia, no final desse período, circulou pelo país a mensagem de que todos os homens, independentemente da sua condição, deviam comparecer no palácio real num dia determinado. Quando essa data chegou, realizou-se urna reunião numerosíssima. Os homens foram dispostos em linha e desfilaram diante da criança, que tinha a maçã de ouro na mão. Por fim, passou o último, e a maçã continuava em seu poder.

Em face disso, o rei mandou anunciar que, se algum homem ficara em casa, devia apresentar-se imediatamente, sob pena de perder a vida. Alguém comunicou que conhecia uma mulher de posses modestas que tinha em casa um filho muito madraço que não comparecera, mas isso talvez não significasse nada de especial. Não obstante, o rei ordenou que se apresentasse sem demora. Enviou um mensageiro e Lars Mandrião teve de se mover depressa como nunca fizera em toda a sua vida. Quando a criança o viu, entregou-lhe a maçã de ouro sem hesitar.

O rei, que já estava furioso, irritou-se ainda mais quando viu a espécie de indivíduo que era o pai do seu neto. Assim, ordenou à princesa que abandonasse o reino imediatamente e não voltasse a aparecer-lhe na frente, porque não queria saber mais dela. Quis que levasse também o filho e que Lars Mandrião os acompanhasse e cuidasse do seu sustento.

Por conseguinte, ela não teve outro remédio senão pegar na criança e partir com Lars, o qual se viu obrigado a aceitar ambos. Fê-la sentar, com o filho, na tábua de lavar da mãe, e abandonou o reino. Ato contínuo, a tábua elevou-se no ar e afastou-se com os três.

Quando viu que cavalgavam daquele modo estranho, a princesa recordou-se de ter visto Lars numa ocasião, embora não conseguisse explicar o mistério de corno pudera engravidar dele, pelo que lhe solicitou que a elucidasse. Lars contou-lhe então o episódio dos três desejos que lhe haviam sido concedidos. O primeiro fora aquela montada tão especial de que ela rira com gosto e que agora resultava extremamente conveniente.

O segundo foram as palavras que pronunciara com indignação ao vê-la rir-se dele, e daí o aparecimento da criança.

— Nesse caso, ainda falta o terceiro — lembrou a princesa.

Lars concordou, mas esclareceu que o reservava para quando tivesse mais alguns anos de idade e um maior grau de sensatez. — Penso que chegou o momento oportuno, se me deixares exprimir o desejo — declarou ela.

Apressou-se a encher o avental de pequenas pedras e, em seguida, disse a Lars que, como terceiro desejo, pedisse que lhe concedessem tantos quantos as pedras que recolhera no avental. Ele assim fez, pelo que lhes restaram tantos desejos que já não tinham de recear que se esgotassem.

— Concordaram que a princesa seria a primeira a formular o desejo seguinte e depois o faria ele. E para que se concretizasse, ajudar-se-iam mutuamente. Primeiro, desejariam ter um palácio mais sumptuoso que o do rei, com um belo jardim em volta, também muito maior e mais formoso que o do pai. A seguir, quiseram tudo o necessário para dispor de urna mesa verdadeiramente bem servida. Por fim, formularam a vontade de que o monarca e toda a sua corte comparecessem ao banquete que tinham preparado.

Tudo se desenrolou em conformidade com o previsto. O rei chegou com toda a corte e ficou embasbacado quando viu tanto luxo e magnificência. Reconheceu que não devia menosprezar o genro, um homem sem dúvida muito diferente daquele que conhecera anteriormente. E estabeleceu-se de imediato uma profunda amizade entre ambos.

Quando se levantaram da mesa, a princesa e o marido desejaram que toda a baixela e talheres de prata utilizados no banquete fossem parar aos bolsos do rei, após o que a princesa disse:

— Parece incrível que possa haver ladrões entre nós, mas é evidente que acaba de desaparecer toda a baixela, assim como os talheres de prata.

O monarca concordou que era vergonhoso que semelhantes pessoas pudessem encontrar-se entre o seu séquito e ordenou que todos os presentes fossem revistados. Assim se fez, mas não se encontrou nada. Por fim, foi a sua vez e extraíram-lhe dos bolsos os objetos desaparecidos.

O rei ficou absolutamente estupefacto e envergonhado e disse que não compreendia como aquilo tinha podido acontecer. A princesa fez então uso da palavra:

— Eu também não compreendia como tinha engravidado. Ambas as coisas tiveram a mesma causa: os desejos. Mas agora estou muito feliz e satisfeita com o meu Lars Mandrião e não ambiciono outro homem na minha vida.

O rei reconheceu este último como seu verdadeiro genro e nomeou-o herdeiro do reino e de toda a sua magnificência. No entanto, muitos fidalgos encararam mal a decisão, revoltados por, um dia, um mendigo vir a ser o seu monarca. Por esse motivo, a princesa e o príncipe Lars desejaram que a esses crescesse tanto o nariz, que aguentassem o seu peso com dificuldade. O desejo cumpriu-se e, quando os distintos senhores do banquete chegaram a casa e se prepararam para descer das suas carruagens, tinham o apêndice nasal tão comprido que tropeçaram nele, caíram e fraturarem uma perna.

** DIEDERICHS, Ulf,Palácio dos Contos,vol.I-VI, Círculo de Leitores, Lisboa,1999**

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