O Liurai de Nári era muito valente. Nesse tempo, nem podia ser-se rei sem ser-se valente, o que não quer dizer que o de Nári provocasse os povos seus vizinhos e os atacasse. Era teimosia dele dar-se bem com todos. Apesar de forte.
Lembravam-se os que o viram crescer de que, em menino e rapaz, nunca nos jogos e lutas tinha sido vencido, quer estivesse sozinho, quer à frente de um grupo.
– Em paz é que é bom reinar. Pode-se pensar, inventar e trabalhar – completava.
Não é fácil de acreditar-se que um liurai e, ainda para mais, valente gostasse da paz. Mas ele mesmo, para com outros reis, primeiro, procurava conversar, combinar e ajustar, e só quando, assim, se tornava impossível o acordo e o desafiavam, pegava em armas e ia para a guerra. Para ganhá-la. Ganhava sempre.
O liurai passeava muito pelas suas terras. Não havia caminho que ele já não tivesse pisado nem pessoa com quem não tivesse conversado. Mesmo as crianças juntavam-se à volta dele para ouvir-lhe a voz. Nem sempre lhe percebiam todas as palavras ou o sentido completo das suas frases, mas gostavam de ouvi-lo, como se estivessem a ouvir música, e mexiam-se como se bailassem ao som dela, que era, afinal, a sua palavra.
Todos os dias, à hora do maior sol, o liurai saía da sua morada e ia às fontes sagradas. Eram três: Utcharina, Umaunira e Tcheniar. Aí, fazia as suas oferendas e praticava os seus sacrifícios. Era um ritual a que estava obrigado. Seguia por um lado e regressava pelo outro, cobrindo todos os sítios do reino.
Quando alguns no seu povo se desentendiam, chamava-os para se encontrarem no sítio das trés fontes sagradas e, aí, à sua vista, combinarem e ajustarem.
Por ser assim, o Liurai de Nári pensava erguer um qualquer sinal na montanha para que todos o vissem durante séculos, sempre, e se lembrassem do seu significado, já que não ia durar na terra para poder repetir o seu conselho de paz.
Quando chegava às fontes sagradas, olhava para o planato e meditava no projecto da estátua que havia de construir para perpetuar entre o povo o seu voto.
O tempo passava, e a verdade é que não surgia no pensamento do liurai o modelo de monumento a erguer. Chegou, porém, uma ocasião em que isso aconteceu.
O caso foi que da floresta soltaram-se, de repente, sons gritantes, mistura de grunhidos e latidos, e apareceram, em luta feroz, um porco e um cão enormes, num rodopio louco que não ditava vencedor nem vencido. Então, ao liurai surge, uma vez mais, a ideia do sinal da montanha. Aponta para lá. O cão e o porco soltam-se do rodopio e correm para o planalto, até ao cimo de tudo. Ora um, ora outro, troca-se o perseguidor. Quando lá chegam, continuam na luta. Não se sabe de que lado está a razão. Ouve-se um estrondo, vê-se fogo, e solta-se uma nuvem de fumo que, depois, aos poucos, desaparece. E quando os olhos de todos podem, enfim, poisar lá no alto, vêem, transformados em dois pene- dos, o cão e o porco.
Estas esculturas ainda estão no planalto de Tchiáru.
Parece dizerem:
– Que haja paz!
“Contos Tradicionais da CPLP”