Lápis Mágico

Os Rapazes, o Velho e o Burro

Os Rapazes, o Velho e o Burro é um conto tradicional de Cabo Verde, uma recolha feita no âmbito da divulgação do património da tradição oral da CPLP

Os Rapazes, o Velho e o Burro, conto tradicional de Cabo Verde

Era uma vez, um homem que tinha três filhos e moravam no cume de uma serra.

Certo dia, o pai morreu e os três rapazes ficaram sem saber para onde ir.

Do alto da serra os rapazes viram as festas de São João, que acontecem todos os anos na região, onde todos faziam uma fogueira e saltavam três vezes dizendo:

“Sarna no lume e saúde no corpo!”

Quando os rapazes viram aquilo em todas as casas, disseram entre si: Vamos até lá!

Fizeram três feixes de lenha e levaram com eles.

As pessoas da aldeia ficaram encantadas com a presença deles, abraçaram-nos, deram-lhes de comer e de beber.

Quando os rapazes iam se retirar, as pessoas perguntaram:

– Já se vão embora, e não dão uma festa?

Os rapazes responderam:

– Vamos dar sim senhor! E garantimos que arranjamos os ingredientes para festa mesmo sem dinheiro para comprar!

Um deles disse:

– Eu dou o grogue!

O outro disse:

– Eu arranjo a carne!

E o terceiro disse:

– Eu arranjo a mandioca!

E assim, eles comprometeram-se a dar a festa.

Isto se passou no tempo do finado João Henrique, um antigo comerciante que residia na cidade de São Filipe, na ilha do Fogo.

O que se comprometeu com o grogue, agarrou no garrafão, lavou-o muito bem, encheu com água do mar, foi à porta do tal comerciante e disse:

– O Senhor tem grogue aí?

O comerciante foi buscar um garrafão cheio de grogue e pousou ao lado do garrafão cheio de água.

O rapaz destapou-o, cheirou-o e disse ao comerciante:

– Estou à espera de umas pessoas que ficaram de vir buscar-me.

E por isso ficou um bocado na loja a fingir que estava à espera.

O pobre comerciante acabou por se esquecer da presença do rapaz, que de repente diz:

– Bem, acho que vou andando e não vou poder levar este grogue.

E antes que o homem desse por isso pegou no garrafão com grogue verdadeiro e o deixou o cheio de água para ser guardado pelo comerciante.

Chegou em casa e disse aos irmãos:

– Meninos, já tenho o grogue!

O outro irmão, esperou amanhecer e disse:

– Eu também vou!

Pegou a estrada e encontrou um homem com doze galinhas e disse a ele:

– Essas galinhas são para vender?

O homem disse que sim! São para vender!

E o rapaz respondeu:

– O senhor padre encomendou-me doze galinhas porque o senhor bispo vem hoje jantar, vou levar o senhor vendedor até ao padre.

Quando chegaram à igreja, ele disse ao homem para esperar lá fora, entrou na igreja, voltou-se para o padre e disse:

– Senhor padre, vim até aqui com um homem que tem o demónio no corpo, é para o senhor tirar!

O padre respondeu que quando acabasse a missa tirava o demónio do corpo do homem.

O rapaz foi lá fora e disse ao homem para esperar que o padre iria pagar depois da missa, agarrou nas doze galinhas e foi-se embora.

Quando acabou a missa o homem foi ter com o padre exigindo o pagamento pelas doze galinhas.

O padre surpreso disse que não sabia de pagamento nenhum, o homem ficou furioso e começou a berrar, o padre como achava que de um demónio se tratasse, benzeu-o, rezou-o, açoitou-o e correu com ele!

Quando o irmão chegou em casa com as doze galinhas o terceiro disse:

– Vou à procura da mandioca!

Chegou à Ribeira de Montinho e escondeu-se. Depois de um tempo viu um homem já de uma certa idade a vir devagar com um burro que carregava um saco de mandioca às costas.

O burro vinha atrás do velho.

O rapaz, encostou-se ao burro devagar, tirou a corda do pescoço do burro e colocou no seu próprio pescoço e deu um pequeno jeito ao burro que foi descansar no arvoredo.

O rapaz veio silencioso atrás do velho, com a corda ao pescoço.

Numa certa altura, o rapazinho que se fingia de burro parou, o velho puxou a corda e como o burro não vinha, falou:

– Mas o que se passa?

E Burro, que na verdade era o rapazinho a fingir disse ao velho:

– Julgas que depois de tanto tempo a andar com o senhor eu não posso tornar-me gente?

E deu dois coices ao pobre senhor que, baralhado, fugiu a correr!

O rapazinho voltou atrás, agarrou no burro e no saco de mandioca e foi para casa onde fizeram uma grande festa!

Porém o burro era muito magro e estava tão esfomeado que limpou a erva das propriedades de toda a zona, por isso um dia mandaram um recado ao velho para que ele viesse buscar o burro.

O homem, que já havia sido repreendido pela mulher por ter chegado em casa sem a mandioca, sem a corda e sem o burro, aceitou ir até lá e recuperar o animal. E quando o velho encontrou o burro, disse a ele:

– Mas és tu mesmo burro?

E o próprio burro com raiva, virou-se para o homem e disse:

– Quem você queria que eu fosse?

E então o velho correu, foi-se embora, deixou lá o burro e nunca mais quis saber dele!

“Contos Tradicionais da CPLP”

Glossário:

grogue > aguardente

Ribeira de Moutinho > uma zona da Ilha do Fogo


Compre os seus livros na loja online Wook.
Gostou deste conteúdo sobre Os Rapazes, o Velho e o Burro?

Adira à nossa lista especial para receber conteúdos didáticos