Era uma vez um homem e uma mulher, que teve um filho depois de sete anos de casada; porém o filho era apenas uma cabeça. Passaram mais sete anos, e a cabeça completou catorze. Quis então ter por esposa a princesa, pelo que solicitou ao pai que lhe pedisse a mão em seu nome.
— Diz a verdade — recomendou-lhe.
— Explica como sou, não mintas.
O pai procurou o rei e disse-lhe:
— Majestade, o meu filho deseja a princesa para esposa.
— Que espécie de pessoa é? — quis saber o monarca.
— Não passa de uma cabeça.
— Se, até amanhã, ele me trouxer cinco raposas vivas, talvez lhe conceda a mão de minha filha.
O pai chegou a casa e anunciou:
— Não há nada a fazer, rapaz.
— Não? Porquê?
— Porque o rei quer que, até amanhã, lhe leves cinco raposas vivas.
Então, talvez te conceda a mão da filha.
— Estou cheio de calor! Leva-me à porta! — rogou o filho, que ficou fora de casa até à manhã seguinte.
Nessa altura, quando os outros se levantaram, havia cinco raposas vivas diante da entrada, e o jovem indicou ao pai:
— Agora, leva-as ao rei e pede a mão da princesa em troca.
O pai assim fez e disse ao monarca:
— Agora, suponho que concederá a mão de sua filha?
— Só se, até amanhã, o teu filho me enviar cinco ursos vivos.
O pai chegou a casa e anunciou:
— Não há nada a fazer.
— Não? Porquê?
— Porque o rei quer que, até amanhã, lhe leves cinco ursos vivos.
E o jovem voltou a dizer:
— Estou cheio de calor! Leva-me à porta!
O pai apressou-se a comprazê-lo.
Na manhã seguinte, quando os outros se levantaram, havia cinco ursos vivos diante da entrada, e o jovem indicou ao pai:
— Agora, leva-os ao rei e pede a mão da princesa em troca. O pai assim fez e reiterou o pedido da mão da princesa, ao que monarca respondeu:
— Bem, já que ele é um homem capaz de conseguir o que se propõe, diz-lhe que construa um palácio como o meu, e poderá então vir buscar a moça.
O velho regressou de novo a casa e anunciou:
— Não há nada a fazer.
— Não? Porquê?
— Tens de construir, até amanhã, um palácio como o dele, que contenha tudo o que é próprio de um imperador.
— Leva-me lá fora, querido pai — pediu o jovem.
Enquanto o velho obedecia, o filho acrescentou:
— Se ouvirem muito barulho durante a noite, não se levantem ver de que se trata. Continuem deitados.
Os operários não tardaram a iniciar os trabalhos, e o pai queixou-se:
— Que barulho tão esquisito está a fazer o rapaz, lá fora! Vou ver o que se passa.
Mas a mãe advertiu-o:
— Não ouviste o que ele nos recomendou, esta tarde? Disse que não fôssemos ver.
No entanto, passados alguns momentos, admitiu:
— De facto convinha ver de que se trata.
Agora, todavia, foi o pai que lhe lembrou:
— E o que o rapaz nos recomendou?
Foram, assim, dissuadindo-se mutuamente de ir espreitar. Quando, de manhã, se levantaram, o velho desceu a escada e, ao assomar à porta, ia desmaiando de pasmo. Viu que se encontrava num palácio que resplandecia de ouro e prata. Então, o filho disse-lhe:
— Prepara um tiro de três cavalos, pai.
Aparelharam três cavalos, montaram o jovem na respetiva carruagem e dirigiram-se ao palácio real, a fim de recolher a noiva. O rei manteve a palavra dada e concedeu a mão da filha ao jovem.
Os esponsais realizaram-se pouco depois e comeu-se e bebeu-se com abundância. No entanto, a noiva tinha uma madrasta. Organizou-se a seguir um sumptuoso baile a que a princesa compareceu. E a cabeça do noivo também. O jovem disse então à noiva:
— Ficaste a saber como sou, mas não o divulgues. Não entrarei no salão, pois ficarei no outro, contíguo, à janela. Não penses sequer em revelar a minha natureza, repito. Se o fizeres, partirei a janela e voarei como um pombo, rumo ao Sul.
A princesa compareceu ao baile e, ao vê-la só, a madrasta perguntou-lhe:
— Então, que espécie de homem é o teu esposo?
— Não passa de uma cabeça.
Levou-a consigo para um canto do salão, embriagou-a e continuou a fazer-lhe perguntas. E, já totalmente alheia ao que dizia, a infortunada jovem referiu:
As pernas são de prata até aos joelhos
e os braços de ouro até aos cotovelos. Na risca do cabelo, há uma estrela, um sol na fronte e uma lua na nuca. Quando fala, brotam-lhe flores douradas da boca e do nariz.
No momento em que o jovem ouviu estas palavras, quebrou a janela e partiu a voar em direção ao Sul. Quando a embriaguez se dissipou, a princesa começou a procurá-lo, mas ele tinha desaparecido. Resolveu então tentar localizá-lo e viajou sete anos num único.
Chegou finalmente a uma pequena casa, entrou e deu os bons-dias.
Os que se encontravam dentro retribuíram a saudação, e ela perguntou:
— Não passou por aqui um viajante?
— Sim, mas já há sete anos. Descansou no sótão e confiou-nos uma encomenda, para que a entregássemos a uma mulher.
Foram buscá-la e, em seguida, ela continuou a sua viagem durante catorze anos, no final dos quais chegou de novo a uma pequena casa, entrou, apresentou saudações, que lhe foram retribuídas, e tomou a perguntar:
— Não passou por aqui um viajante?
— Sim, mas já há catorze anos. Descansou no sótão e confiou-nos uma encomenda, para que a entregássemos a uma mulher.
Na primeira, havia grande variedade de comida e bebida e, na segunda, todo o vestuário de mulher que se pudesse desejar.
Antes que ela se retirasse, as pessoas da casa aconselharam-na.
— Dirige-te à cidade e aguarda no primeiro cruzamento de ruas, onde o verás. É um excelente caçador.
A jovem procedeu como lhe indicaram e postou-se no cruzamento referido. Quando o avistou ao partir para a caça, dirigiu-se-lhe e perguntou:
— E agora, que será de nós, querido amigo? Que faremos, depois de eu vir de tão longe à tua procura?
Ao vê-la, ele abraçou-a e respondeu:
— Querida jovem, não te posso responder até enviar cartas a todos os reinos do mundo a perguntar que matrimónio devo conservar: o actual ou o antigo.
Escreveu a todas as partes do mundo e obteve respostas similares: “Deves conservar o primeiro matrimónio.”
Em face disto, ele informou a nova noiva:
— Podes voltar para de onde vieste, pois fico com a minha antiga noiva.
A seguir, empreenderam a viagem — primeiro durante catorze anos e depois sete — até regressarem à pátria. Uma vez aí, voltaram a celebrar os esponsais e encarregaram-me de divulgar todas estas mentiras.
** DIEDERICHS, Ulf,Palácio dos Contos,vol.I, Círculo de Leitores, Lisboa,1999**