Lápis Mágico

Livro Fechado

Mensagem Nacional para o Dia Internacional do Livro Infantil de António Torrado

Livro Fechado , história de António Torrado

Era uma vez um livro. Um livro fechado. Tristemente fechado. Irremediavelmente fechado.

Nunca ninguém o abrira nem sequer para ler as primeiras linhas da primeira página das muitas que o livro tinha para oferecer.

Quem o comprara trouxera-o para casa e, provavelmente insensível ao que o livro valia, ao que o livro continha, enfiara-o numa prateleira, ao lado de muitos outros.

Ali estava. Ali ficou.

Um dia, mais não podendo, queixou-se:

  • Ninguém me leu. Ninguém me liga.

Ao lado, um colega disse:

  • Desconfio que, nesta estante, haverá muitos outros como tu.

  • É o teu caso? - perguntou, ansiosamente, o livro que nunca tinha sido aberto.

  • Por sinal, não - esclareceu o colega, um respeitável calhamaço.

— Estou todo sublinhado. Fui lido e relido. Sou um livro de estudo.

  • Quem me dera essa sorte - disse outro livro ao lado, a entrar na conversa.

  • Por mim só me passaram os olhos. Página sim, página não… Mas, enfim, já prestei para alguma coisa.

  • Eu também - falou, perto deles, um livrinho estreito. - Durante muito tempo, servi de calço a uma mesa que tinha um pé mais curto.

  • Isso não é trabalho para livro – estranhou o calhamaço.

  • À falta de outro… – conformou-se o livro estreitinho.

Escutando os seus companheiros de estante, o livro que nunca fora aberto sentiu uma secreta inveja. Ao menos, tinham para contar, ao passo que ele… Suspirou.

Não chegou ao fim do suspiro, porque duas mãos o foram buscar, ao aperto da prateleira. As mãos pegaram nele e poisaram-no sobre uns joelhos.

  • Tem bonecos esse livro? - perguntou a voz de uma menina, debruçada para o livro, ainda por abrir.

  • Se tem! Muitos bonecos, muitas histórias que eu vou ler-te – disse uma voz mais grave, a quem pertenciam as mãos que escolheram o livro da estante. Começou a folheá-lo, e enquanto lhe alisava as primeiras páginas, foi dizendo:

Este livro tem uma história. Comprei-o no dia em que tu nasceste. Guardei-o para ti, até hoje. É um livro muito especial.

  • Lê - pediu a voz da menina. E o pai da menina leu. E o livro aberto deixou que o lessem, de ponta a ponta. Às vezes vale a pena esperar.

António Torrado
Mensagem Nacional para o Dia Internacional do Livro Infantil
2 de Abril de 1997


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