Lápis Mágico

Uma vaca chamada Estrelinha

Dois primos decidiram comprar uma vaca a meia. O que será que vai acontecer?

Uma vaca chamada Estrelinha, história de Luísa Ducla Soares

Lado a lado, viviam o primo Zé mais o primo Barnabé. Cada qual tinha a sua casa de pedra escurecida, apanhada aqui e além, pelas serranias, cada qual a sua horta de pobre, com o milho a crescer junto das batatas, couves repolhudas roídas pelos caracóis, meia dúzia de galinhas a debicarem à solta. E cada qual tinha o seu sonho também.

— Ah, se eu tivesse uma vaca! — dizia o primo Zé - , não era eu que engolia este café aguado. Havia de beber uma boa caneca de leite.

— E não seria o Barnabé a roer pão seco. Não. Havia de guardar as natas para fazer manteiga, havia de buscar cardos ao monte para talhar o leite e preparar queijos de se lhe tirar o chapéu.

O primo Zé coçava a cabeça, o primo Barnabé repuxava o bigode, pois bem sabiam que era sonho alto de mais para tão pequenas economias.

No entanto, mal se encontravam, voltava a mesma conversa.

— Farta-se a gente de suar e esta terra não dá nada. O milho seca antes de criar espiga, a batata é miúda e engelhada, as couves mais duras que caniços — lamentava-se um.

— Tivéssemos nós uma vaquinha, que isto andaria que nem um brinco. Adubava-se a preceito, com bom estrume, e era ver as plantas crescerem os milhos dobrarem ao peso das maçarocas, as sacasc encherem-se de batatas, as couves tornarem-se tenras, viçosas que nem flores — exclamava o outro.

Assim passaram semanas, meses, anos. Chegado Outubro marchavam para a feira a vender o que granjeavam, com a carteira magra no bolso do casaco. Lá se ia o dinheiro em sementes, em pás e enxadas, lá se gastava num casal de coelhos, numa cabra, num porco para a engorda.

Não deixavam por isso de parar diante das vacas de trabalho, amarelas, musculosas, de grandes chifres revirados, das gordas vacas leiteiras, todas malhadas, de pequenos chifres e grandes olhos meigos, resignados.

Primo Zé apalpava a carteira, primo Barnabé apalpava a carteira:

— Ah, se eu tivesse oito notas de mil…

— Quatro contos ainda eu arranjo…

— Outros quatro eu — atalhou o primo

— E se comprássemos a meias aquela vaca?

Era uma estampa. Branca e preta, muito luzidia, de raça turina, com uma estrela preta na testa e uma estrela branca no lombo.

Resolvido o negócio, ataram-lhe uma corda ao pescoço e deitaram pernas ao caminho.

Temos uma vaca
Chamada Estrelinha,
Metade é tua,
Metade é minha.

Cantarolavam com bom humor.

Chegados ao seu destino, fizeram-lhe um curral, metade na terra de um, metade na terra de outro e aí instalaram a Estrelinha, vaidosa que nem princesa num palácio.

Então, contemplando a obra, o primo Zé exclamou:

— Comprámos a vaca a meias, mas ainda não decidimos qual metade será a minha, a da cabeça ou a do rabo.

— Mas que pergunta! Se queres que te diga, a cabeça sempre é mais airosa, mais limpa, mas a mim tanto me faz.

— Então eu fico com a parte de trás.

No dia seguinte, logo de manhã, primo Barnabé encontrou o Zé a mungir a vaca. Zumba que zumba, era apertar-lhe as tetas, que o leite jorrava num esguicho. Já enchera uma vasilha até ao gargalo. E para o carrinho de mão acarretava duas pazadas de estrume.

— O meu trabalho está pronto — disse o madrugador, esfregando as mãos de contente. — Cabe-te a ti, agora, dar a ração ao animal, visto ele comer com a boca; e essa parte não me pertence.

Ficou abismado o primo Barnabé mas lá veio com seu carrego de palha, de fava, de erva, enquanto o outro batia manteiga e fazia queijos para ir vender.

Enriquecia o segundo, empobrecia o primeiro, matutando na triste sorte que lhe coubera. A parte da frente da vaca só dava gastos, a de trás rendia um dinheirão. Até que teve uma ideia…

— Ó primo — disse ele —, fartei-me da minha meia vaca. Desde que a comprei que não passo da cepa orta, que não provo um naco de carne. Ao menos hoje vou regalar-me com bifes!

E pôs-se a afiar um facalhão para cortar a vaca ao meio. Mas esta é que não gostou da proposta. Atirou dois coices ao Barnabé, uma marrada ao Zé e fugiu pela porta escancarada.

Assim acabou a história
De uma linda vaca
Chamada Estrelinha,
Metade é tua,
Metade é minha.

Luísa Ducla Soares


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