D. Diogo Lopes, nobre senhor da Biscaia, caçava nos seus domínios, quando foi surpreendido por uma linda mulher que cantava. Ofereceu-lhe o seu coração, as suas terras e os seus vassalos se com ele se casasse. A dama impôs-lhe como única condição a de ele nunca mais se benzer.
Só tempos mais tarde, já no seu castelo, D. Diogo se apercebeu que a dama tinha um pé forcado, como o de uma cabra. Não obstante, viveram muitos anos felizes e tiveram dois filhos: Inigo Guerra e Dona Sol.
Um dia, depois de uma boa caçada, D. Diogo premiou o seu grande alão com um osso, mas a podenga preta de sua mulher matou o cão para se apoderar do pedaço de javali. Surpreendido com tal violência, D. Diogo benzeu-se. A Dama de Pé de Cabra deu um grito e começou a elevar-se no ar, com a sua filha Dona Sol, saindo ambas por uma janela para nunca mais serem vistas.
Com o desgosto, D. Diogo decidiu ir guerrear os mouros durante anos, acabando por ficar cativo em Toledo. Sem saber como resgatar o pai, D. Inigo resolveu procurar a mãe, que se tornara, segundo uns, numa fada, segundo outros, numa alma penada. A Dama de Pé de Cabra decidiu ajudar o filho, dando-lhe um onagro, uma espécie de cavalo selvagem, que o transportou a Toledo.
Aí, o onagro abriu a porta da cela com um coice e pai e filho cavalgaram em fuga, mas, no caminho, encontraram um cruzeiro de pedra que fez o animal estacar. A voz da Dama de Pé de Cabra instruiu o onagro para evitar a cruz. Ao ouvir aquela voz, depois de tantos anos e sem saber da aliança do filho com a mãe, D. Diogo benzeu-se, o que fez com que o onagro os cuspisse da cela, a terra tremesse e abrisse, deixando ver o fogo do Inferno, que engoliu o animal. Com o susto, Pai e filho desmaiaram.
D. Diogo, nos poucos anos que ainda viveu, ia todos os dias à missa e todas as semanas se confessava. Já D. Inigo nunca mais entrou numa igreja e crê-se que tinha um pacto com o Diabo, pois, a partir de então, não havia batalha que não vencesse.
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Outra versão
Na hoje região da Beira Alta, concretamente na aldeia histórica de Marialva, vivia há muitos séculos atrás, uma formosa donzela. Certo dia um nobre encandeado com a sua beleza e querendo desposá-la, encomendou os serviços de um sapateiro rogando-lhe que fizesse uns sapatos para a donzela em questão.
Tratando-se de uma surpresa o sapateiro teria de arranjar uma forma de conseguir fazer um molde dos pés para acertar no respetivo tamanho. Num dia e sem que a donzela desse por isso espalhou farinha aos pés da cama para que quando esta se levantasse, deixasse a marca na farinha espalhada pelo chão, o que aconteceu. O sapateiro percebeu pelas marcas deixadas que a donzela tinha “pés-de-cabra”, mas assim mesmo fez uns sapatos adequados.
Quando o nobre entrega o presente à sua prometida, esta com o desgosto de saber que já todos conheciam o seu defeito, atirou-se da torre do castelo, morrendo de imediato. A donzela chamava-se Maria Alva e em nossos dias, mesmo em ruínas, podemos ver a torre do castelo.
. (Departamento de Literaturas Românicas – Literatura Medieval Portuguesa)