Há muitos anos, havia, na vila alentejana de Benavila, dois castelos ocupados por fidalgos rivais: de um lado, um espanhol poderoso chamado Gonzalez Butrón; do outro D. Pedro de Miranda. Para evitar distúrbios, estas duas famílias evitavam-se, esperando, muito embora, cada uma que a outra abandonasse aquela terra.
Nesse sentido, D. Pedro fez saber a Gonzalez Butrón que deveria ser ele a partir porque ocupava terra portuguesa. Este conselho caiu, obviamente, mal entre os Butrón, o que levou o espanhol a engendrar uma vingança.
D. Pedro tinha uma filha de doze anos, a bela Madalena, admirada por quantos viviam perto dela. Contudo, a jovem não podia sair dos seus domínios devido às tais rivalidades. Assim, numa tarde solarenga, Madalena espreitava o campo através das frestas das janelas do pátio.
Parecia esperar alguém, pois vigiava o interior e o exterior da casa. A donzela amava em silêncio José, um pastor de quinze anos, endinheirado, mas sem pergaminhos aristocráticos. Todas as tardes, ao regressar com o rebanho, ele vinha falar à sua amada. Nesse dia, José vinha apressado. Madalena foi sorrateiramente ao seu encontro saber o que se passava.
O pastor vinha avisar o seu pai que Gonzalez Butrón lhe preparara uma cilada junto à ponte. Madalena pediu-lhe, então, que corresse até ao campo onde estava o pai e lhe desse tal notícia, mas que não se deixasse apanhar e, sobretudo, que não revelasse o amor que os unia. José assim fez. A uns 200 metros da ponte, encontrou D. Pedro de Miranda que, surpreendido, lhe perguntou:
– O que queres de mim?
José não perdeu tempo.
– Senhor, venho avisar-vos que perto da ponte está preparada uma emboscada contra vós.
D. Pedro percebeu logo que Butrón estava por detrás de tudo. Imediatamente mandou um dos criados que o acompanhava verificar se o pastor falava verdade, mas antes perguntou-lhe porque o avisara. Atrapalhado, José respondeu que era português e que D. Pedro estava em perigo. Quando o criado voltou, confirmou a cilada. Agradecido, D. Pedro tirou uma corrente de ouro que trazia ao peito e deu-a ao pastor, dizendo:
– Vai! Hei-de compensar-te melhor!
José retorquiu que tinha o seu gado e a sua casa, apenas queria a simpatia do pai de Madalena. O fidalgo, contudo, insistiu:
– Se algum dia precisares de mim, basta que me mostres essa corrente de ouro.
Entretanto, três anos passaram. O senhor de Butrón vendeu os terrenos em Benavila a um sobrinho de D. Pedro que voltara da guerra contra os infiéis. Logo, o fidalgo português pensou casar a filha com ele. Porém, Madalena amava José.
O único que sabia deste amor era o seu confessor e, como esta chorava noite e dia, conseguiu que o bispo não autorizasse o casamento, invocando o parentesco próximo entre ela e o primo. D. Pedro não ficou satisfeito e fez novo pedido. Porém, o sobrinho, um homem de poucos escrúpulos, engendrou outro meio de obter a licença.
Numa noite de Inverno de muita chuva e vento, quando Madalena se despedira dele para se ir deitar, alguém lhe comunicou que o primo lhe rondava o quarto. A jovem logo se fechou à chave. No mesmo instante, começou a ouvir uma canção conhecida: a música preferida de José. Madalena correu à janela. No varandim estava o seu amado. Vinha preveni-la que o primo tinha arranjado uma chave do quarto dela e que a todo o momento iria entrar para a comprometer a casar-se com ele. A única solução era Madalena fugir para um convento e de lá contar tudo ao pai.
Madalena hesitou, mas ao ouvir os passos do primo, exclamou:
– Vamos descer! Prefiro ficar no convento para sempre a ser esposa dum homem que detesto!
Entretanto, o primo entrou no quarto, chamou pela jovem. Como não obtivesse resposta e visse a janela aberta, correu para ali. Vendo uma corda pendurada e o par de apaixonados que descia apressadamente, ficou cheio de ciúmes; num acto de desespero, pegou na espada que trazia e cortou a corta dum só golpe. Ouviu-se, então, um grito horrível. Madalena e José tinham caído e encontrado a morte na queda. Os cães começaram a ladrar, acordando toda a gente.
O assassino, ao fugir, esbarrou ainda com D. Pedro que subia a escada. Exclamou que tinha impedido uma fuga; depois, saiu e desapareceu. O pai de Madalena correu para o quarto da filha. Abeirando-se da janela, viu os dois corpos abraçados sem vida no fosso do castelo. Gritou aos criados que lhos trouxessem. Viu, então, ao peito de José a corrente de ouro tão sua conhecida. Levou as mãos ao rosto e assim ficou à chuva e ao vento até que o obrigaram a regressar a casa.
Dias depois, no local onde os dois amantes tinham morrido, D. Pedro mandou erguer uma cruz com a seguinte inscrição:
“José e Madalena. Rezem um padre-nosso por suas almas”.